Três anos de casamento. Dei um google agora pra saber de que são essas bodas e o oráculo me respondeu: trigo ou couro. Vamos de trigo, então. Nada mais apropriado neste ano, em que o marido tem tirado do forno os melhores pães desta cidade - à qual, por sinal, foram esses mesmos pães que nos trouxeram.
Fui catar as fotos do nosso casamento pra fazer uma postagem comemorativa, e fiquei nostálgica e pensativa. Casar é muito bom. Só acho que o povo tem pirado cada vez mais com a função toda de casamento. Vejo a complexidade das festas, a neura das noivas, o custo da brincadeira toda, e fico assim:
Por isso, quis fazer um texto bridal (mentira, não quis. Existe expressão mais besta do que "bridal"? Ninguém fala groomal no universo casamenteiro, porque é esperado que só a noiva perca tempo pensando em chatices como a tipografia dos convites e a combinação de tonalidades entre as flores e os vestidos das madrinhas). Minha ideia, na verdade, foi matar um pouco a saudade daquele dia espetacular, e de quebra, dar uns conselhos para casamentos lindos, divertidos, memoráveis e $em fre$cura:
1. Evitem o Brasil.
Existem duas razões principais para essa primeira recomendação: a) só com o preço que custa alugar um espaço bacaninha pro evento por aqui, dá pra pagar a brincadeira toda, e se bobear, até um pedaço da lua de mel em lugares mais amigos do seu bolso; b) casando em outro país, o casal automaticamente se livra de ter que bancar a comilança daqueles parentes que não encontram desde os oito anos de idade e aqueles colegas de trabalho desagradáveis que riem sozinhos das próprias piadas e não tiram o som do teclado do celular. Esse pessoal não vai se despencar até o outro lado do mundo só pra reclamar da comida e pedir pro dj tocar do you wanna dance, né?
Claro que fazendo um casório internacional, pode ser que muitas pessoas queridas e amadas não consigam comparecer, o que é realmente uma droga. Mas planejando com antecedência, os mais chegados têm tempo de se programar, então sugiro combinar com os amigos do peito de seis meses a um ano antes - e só chamar os indesejados quando faltar um mês pra festa.
Nota: nós não fizemos exatamente assim, visto que decidimos casar meio que de repente. Diz o Hugo que o pedido partiu de mim. Eu contesto essa versão, mas por outro lado, não me lembro dele se ajoelhando e me oferecendo um anel ou coisa parecida. Enfim, era o Piemonte, e havia muito Nebbiolo envolvido na nossa rotina, de modo que minha memória do período não é muito precisa. E na verdade, pouco importa. O fato é que resolvemos, de comum acordo, casar por lá mesmo, no começo do outono.
2. Envolvam o máximo possível de pessoas na organização.
Sem essa de jogar tudo nas costas da noiva, coitada. O negócio é recorrer às amizades, à família e até mesmo a estranhos de boa vontade. No nosso caso, ninguém escapou de dar uma força, recrutamos geral, sem a menor cerimônia. Foi mais ou menos assim:
Na nossa chegada à região, havíamos feito couchsurfing em uma vinícola, até encontrarmos nosso apartamento. Ainda não falávamos nada de italiano, e nossos anfitriões dominavam o inglês em igual medida. De modo que nossa amizade nasceu de uma constante e inesgotável oferta de comida e bebida, da parte deles, e de um constante e inesgotável entusiasmo em comer e beber, de nossa parte. Ficamos amigos e expressamos um vago desejo de contrair matrimônio ali, até o final daquele ano. Também compartilhamos nosso objetivo de viver no campo e criar porcos. Tudo isso em itanglês, claro. Daniele, nosso anfitrião, não só nos ofereceu o salão de festas e o vinho da azienda dele (mediante ajuda na vindima, dentro de alguns meses), como também nos apresentou a um criador de porcos e à Rossana, dona do agriturismo bucólico onde passaríamos a viver.
Escolhemos Horácio e Jurema ainda bebês, mas não pudemos criá-los porque o Hugo foi passar uma temporada trabalhando em Mônaco, e eu não estava disposta a ser mãe solteira dos dois porquinhos. De modo que eles ficaram no seu lar original, sendo engordados para o grande dia. Melhor assim, senão eu poderia ter me apegado às criaturinhas, hesitando em me deliciar com sua carne macia e saborosa e cravar meus dentes em sua pele crocante.
Antes de Mônaco, o Hugo trabalhou numa trattoria em Bra, e foi de lá que saíram os gnocchi e a sobremesa que ele mesmo preparou no dia de casar. Sem essa de dia do noivo, tá pensando o quê? O meu não só cozinhou tudo, como matou e assou os porcos, que causaram bem mais comoção do que a própria noiva aqui ao adentrarem o salão.
Naquele verão, colhi uvas até criar bolhas em todos os dedos das minhas duas mãos, me bronzear da maneira menos uniforme que eu alguma vez vi e ganhar uma corcunda que durou duas semanas, mas valeu a pena: casamos ao ar livre, ao pé de uma colina tapada de parreirais, no cenário mais bucólico e poético que se pode associar à Bella Italia, na época mais fotogênica do ano, regados por garrafas e mais garrafas de Nebbiolo, Barbaresco, Arneis (e Barolo pra mesa dos noivos). E o que é melhor: totalmente de grátis.
Cornell, um colega e amigo americano, conduziu a cerimônia como ordained minister que era, com um texto charmoso, engraçado e comovente a um só tempo. Ele até arriscou algumas palavras em português, que adquiriram um ar semipornográfico em razão de equívocos de pronúncia. Nosso padre seria visto mais tarde rebolando até o chão com a gravata amarrada na testa, e escapando furtivamente do salão para trás de uns arbustos acompanhado de um convidado.
Kunal, meu colega indiano, ficou responsável pelas fotos, que ficaram lindas, espontâneas e originais. Hoje eu fico orgulhosa em ver imagens captadas pelo amigo que registrou meu casamento nas páginas da Vogue India e outras publicações de prestígio.
Giovanni, italiano namorado da amiga croata Anita, cuidou da música, até sua amada tentar atravessar uma porta de vidro que escapou à sua atenção, o que, somado ao vinho, causou o abandono prematuro das pick ups pelo dj, que foi ao socorro da pobrezinha. Sem problemas, todo mundo passou a se alternar na seleção das playlists dali em diante, e Anita ficou bem, passado o susto.
Minha mãe levou meu vestido, meus sapatos, minhas joias, minha lingerie e boa parte da decoração da festa na mala que voou com ela do Brasil. Nunca entendi como coube tudo lá dentro. Pombas, corações e letras feitas de tecido pendiam do teto, cartões com versos românticos foram deixados em cada mesa, flores que compramos juntas na feira daquela manhã enfeitavam todo o ambiente. Ela, minha irmã e minha vó, em algumas horas, deixaram o salão e o altar no jardim parecendo aqueles pinterests de casamentos inspiradores no campo. E as três eram as mulheres mais lindas e pontuais da festa depois de passarem o dia na função.
Ah, o vestido: fiz à distância, com a mesma estilista que fez o da minha formatura, Karen Raissa. Minhas medidas não haviam mudado, fizemos alguns skypes pra eu explicar mais ou menos o que tinha em mente, e dois dias antes da cerimônia ele chegou, perfeito, bem como eu tinha imaginado.
Minhas colegas Cris e Anita me maquiaram e me pentearam na casa delas. Fiquei bem bonita, (modéstia à parte e muito graças ao talento das meninas com as escovas e pincéis), mas nem um pouco montada, o que foi ótimo: não deu remorso nenhum nas horas de chorar, dançar, suar e me descabelar. E eu não fiquei parecendo O Corvo depois de tudo isso.
3. Misturem pessoas muito diferentes entre si.
Irmão e amigos queridos do Hugo foram desde Lisboa, amigos nossos da época de Londres foram também, uma amiga do Brasil que estava morando em Barcelona conseguiu aparecer, minha mãe, meus irmãos e meus avós voaram de Porto Alegre, e meus colegas, reunindo umas 20 nacionalidades diferentes, compareceram em peso, além dos italianos acolhedores e generosos que vinham fazendo parte da nossa vida ali e que fizeram aquele canto do mundo ser o lugar onde nós escolhemos passar esse momento único das nossas vidas.
4. Relaxem, divirtam-se e não tentem controlar tudo como se fosse um balé.
Aconteceram bizarrices de todo tipo em decorrência da multiculturalidade e da abundância etílica. Uma amiga brasileira se apaixonou por uma amiga americana, só que esta não gostava de meninas. Em vista disso, a apaixonada roubou e escondeu a bolsa do objeto de sua afeição, esperando que isso convertesse a opção sexual da musa. Incrivelmente, a estratégia não surtiu o efeito esperado.
Um amigo conseguiu a proeza de beber muito mais (e muito mais rápido) do que todos os presentes, o que o levou a beijar ardentemente uma colega minha no meio da festa. Na frente da esposa dele. Que a propósito, estava grávida. Antes disso, ele virou amigo de infância do meu avô. Até hoje eu gostaria de saber sobre que eles tanto conversavam.
Outro amigo, por alguma razão, levou embora o resto do bolo no carro que havia alugado, bolo este ornado com diversas figuras do mundo gastronômico feitas de açúcar, em homenagem aos noivos glutões. Ele deve ter dirigido com a maior perícia, visto que na manhã seguinte, ao acordar, encontrei-o, de óculos escuros e cara de ressaca sôfrega, limpando diligentemente com um pano úmido um milho em miniatura que derretia pra dentro da saída do ar condicionado.
Minha vó foi a convidada que mais dançou, meu vô me levou pelo braço ao altar (na verdade, eu que arrastei o pobrezinho, andando a passos largos e resolutos), e meu recém consagrado marido tinha aquele olhar que faz uma noiva saber que não tem como não ser muito feliz dali em diante.
Assim tem sido.